segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O escândalo do Wikileaks

Atilio Borón

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu um comunicado de imprensa a 15 de Dezembro de 2010 manifestando sua preocupação pelas ameaças à liberdade de expressão contidas na nova legislação aprovada pela Assembléia Nacional da República Bolivariana da Venezuela que, segundo a CIDH afetará "principalmente os grupos dissidentes e minoritários que encontram na Internet um espaço livre e democrático para a difusão de suas ideias."




A CIDH, zelosa na hora de custodiar os privilégios dos oligopólios midiáticos da região com o pretexto de defender a liberdade de expressão, absteve-se de condenar já não as ameaças contra esta, mas sua brutal agressão e assédio no caso de WikiLeaks. Ali estão os principais governos capitalistas de todo o mundo competindo para ver quem põe atrás das grades Julian Assange e impede mais eficazmente a difusão de seus achados. Qual é o "pecado" de WikiLeaks? Simplesmente ter feito transparente alguns -nem sequer os mais importantes- dos sórdidos relacionamentos da burguesía imperial com seus tenentes em diferentes países. Nada que não soubéssemos, ou suspeitássemos com muito fundamento, como agora fica plenamente confirmado. Claro: não se supõe que tais desígnios e manobras devam ser conhecidas pelo grande público que, como o vem denunciando Noam Chomsky faz décadas, deve ser mantido na ignorância ou, pior ainda, submetido a perversas campanhas para o embrutecer e tornar estúpido e, desse modo, facilitar o labor de seus opressores. Numa sociedade capitalista, a liberdade de expressão não deve chegar tão longe que destrua a opacidade de seus mecanismos de exploração e dominação e ponha de manifesto sua essência predatória e destruidora de sociedades, estados e natureza. Quem tenha a ousadia de atravessar essa barreira ou infringir esta silenciosa premisa da "liberdade de imprensa" burguesa, deve sofrer uma exemplar punição.

Por isso, ante esta campanha mundial de cerceamento da liberdade de expressão, a CIDH eleva beatíficamente seus olhos ao céu, tampa seus ouvidos e fecha sua boca. Porque uma coisa é condenar Chávez por suas supostas ameaças e "intenções" de cortar a liberdade de expressão e outra, muito diferente, denunciar os ataques concretos - não as ameaças - realizadas com obsceno cinismo pelos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e Suécia, ou o ilegal (e ilegítimo) bloqueio das contas e sites do WikiLeaks, ou a perseguição de Julian Assange e as calúnias e fabulações inventadas para assassinar midiaticamente a irritante personagem. Imaginam o que diria a CIDH se Chávez cometesse alguma destas tretas? Ou os torrentes de tinta que a "imprensa independente" (independente de quem, ou de quê?) das Américas utilizaria para fulminar o governo bolivariano por um ataque à liberdade de expressão como o que está sofrendo WikiLeaks? Ou o alvoroço que armaria o inefável Mario Vargas Llosa e seus compinchas se algum jornalista ou dono de meios na Venezuela fosse submetido à perseguição de que hoje padece Assange? Este é o verdadeiro escândalo do WikiLeaks: não a revelação dos cabos do Departamento de Estado, mas os obscenos dois pesos e duas medidas da CIDH e dos autoproclamados defensores do "jornalismo independente", os irresponsáveis, arrogantes e despóticos poderes midiáticos que não encontram na caçada informática (e policial) desatada contra Assange e o WikiLeaks ameaça alguma à livre e democrática difusão das ideias no supostamente libérrimo universo da Internet.

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